Manifestação de Uma Opinião

Qualquer opinião hoje é expressada num blog...e em qualquer blog é expressada uma opinião. Hoje em dia o mundo move-se rodeado de blogs e estes são um prelongamento das noticias diárias, comentando-as, da mesma forma que as impulsionam, fundamentando-as. Manifestação de Uma Opinião justifica a sua existência exactamente pelo seu nome...façam uso dele e expressem a vossa...

2006-11-15

Manifestação de uma Opinião

Poema em linha recta

Nunca conhecí quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe —todos eles príncipes— na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ô príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que sou vil e erróneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos —mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Fernando Pessoa

7 Manifestações:

  • At domingo, 19 de novembro de 2006 às 18:56:00 WET, Anonymous Anónimo said…

    sei que santa não sou.

     
  • At domingo, 19 de novembro de 2006 às 21:49:00 WET, Blogger Flecha Ruiz said…

    Grande senhor. Ponto Final

     
  • At terça-feira, 21 de novembro de 2006 às 19:06:00 WET, Blogger Xana said…

    Conhecemo-nos bem..sabemos quando erramos, quando somos fracos, quando não seguimos o caminho mais certo.. Os outros parece que não cometem erros..mas como nós,ninguém é perfeito,nós só não vemos a má parte porque essa toda a gente procura ocultar..

     
  • At quarta-feira, 22 de novembro de 2006 às 12:40:00 WET, Blogger M. said…

    A maioria das vezes procuramos ocultá-la de nós próprios também, acreditando em coisas que sabemos ser falsas.

    Há aquilo que nós somos e aquilo que os outros são. Há aquilo que nós pensamos que somos e aquilo que os outros pensam que são. Há aquilo que nós pensamos que são os outros e aquilo que os outros pensam que nós somos. Deopis há aquilo em que cremos e aquilo em que crêem os outros: o que gostaríamos de ser, o que gostaríamos que os outros fossem, o que acreditamos ser e que somos e o que acreditamos ser que não somos, o que acreditamos que os outros são e que são e o que acreditamos que os outros são e que não o são.

    O problema levantado pelo Fernando Pessoa é a falta de coincidência de todas estas dimensões do pensamento e da crença. Eu acredito em que nós devemos pensar e crer em sermos aquilo que realmente somos, que todas estas dimensões devem não ser múltiplas, mas unas.

    A minha imagem de mim ser a mesma que a imagem dos outros de mim por serem ambas o mesmo: aquilo que eu sou.

     
  • At quarta-feira, 22 de novembro de 2006 às 16:27:00 WET, Blogger Flecha Ruiz said…

    Julgo que a impressão que as outras pessoas têm de nós não envolve exactamente a nossa maneira de ser...Nós podemos cometer grandes erros que aos olhos das outras pessoas não têm explicação e não conseguem perceber como é que o fizemos, no entanto a prática desse erro advém de uma acção já ponderada e onde já foram, também, equacionadas variáveis.
    Isto tudo duma forma muito débil visto que incorremos na falha e no erro. Pensámos que aquela seria a melhor opção por não contarmos com um os mais factores exteriores, resultando assim numa gralha, numa asneira.

    O que significa isto então? Eu vejo alguém cometer um erro. Não percebo como é que chegou àquela lógica, refiro que não pensa e apelido-o de qualquer coisa depreciativa. No entanto, para essa pessoa, aquele erro foi apenas resultado de um debruçar deficiente, algo que não correu como planeado mas fazia todo o sentido instantes antes. Foi racionalizado. Mal, mas foi!

    Ou seja, a questão da impressão que os outros têm de nós, de mim, nunca será a mais correcta porque não seguiram/seguem a lógica que eu, como sujeito do erro, segui e, por mais que tente, posso não conseguir explicar. Podem e provavelmente vão pensar algo que não corresponde, por isso será que realmente a imagem que têm de mim é a que eu tenho? Será que a impressão de terceiros conta assim tanto?

    Não, não sou defensor da frase feita (que para mim é das mais ridículas) "não me interessa o que os outros pensam de mim"...o Homem é o animal social que vive em comunidade e todas, repito, todas as suas acções vâo ter repercussões, maiores ou menores, num grupo ou numa pessoa. Claro que as minhas acções são também equacionadas de acordo com certos padrões de moral, civismo e educação assentes na nossa comunidade, no entanto nem todas as nossas acções vão ser completamente percebidas pelo destinatário ou terceiros.

    Não afastando por completo a ideia do Morbitur de que "A minha imagem de mim ser a mesma que a imagem dos outros de mim por serem ambas o mesmo: aquilo que eu sou." julgo que será complicado que todas as pessoas que te envolvem até num meio mais íntimo possam realmente olhar à transparência para aquilo que és.

    O próprio Pessoa construía imagens, ele poderia transparecer uma pessoa que não era.

     
  • At quarta-feira, 22 de novembro de 2006 às 23:18:00 WET, Blogger M. said…

    O Fernando Pessoa utilizava imagens coinstruídas por ele para comunicar o que ele era. O problema está em nós as conseguirmos entender mas não há dissimulação.

    O problema da falta de coincidência das dimensões de que falei liga-se não com um erro que alguém cometa mas com olhar-se para essa pessoa e perceber que esse erro tem um fundamento, uma razão de ser. Precipitar-nos para um julgamento leva a que afastemos a nossa ideia dessa pessoa daquilo que ela é em si. Em vez de nos dizermos "aquele só pode estar a gozar... a agir assim...", rotulando de anormal, e dissermos "a acção do fulano parece errada, mas deve ter a sua razão de ser", não o rotulando, a imagem que temos dele irá, provavelmente, não se afastar daquilo que ele é. O Pessoa não fala disto, mas serve com rampa de lançamento do tópico. Dizer que a imagem que alguém tem de mim ser igual ao que eu sou não significa essa pessoa conhecer tudo aquilo que eu sou. Significa que, pelo menos, aquilo que ela sabe de mim e que utiliza para construir a imagem que de mim tem seja coincidente com o que eu sou. A partir do momento em que se afirma que é inevitável que as ideias não coincidam, então há que dar um passo atrás e repensar as nossas ideias. Bem sei que não vivo num mundo assim, mas sei também que não é isso que me deve fazer mudar o que penso.

    Se o mundo está mal, ele que se mude.

    Quando dizes "não afastando completamente" a minha ideia... foi o que fizeste. Mas é para isso que aqui estamos.

     
  • At sábado, 2 de dezembro de 2006 às 12:46:00 WET, Blogger Flecha Ruiz said…

    Não afastei a tua ideia, coisa nenhuma. Sabes, por certo melhor do que eu, que o pensamento não é linear, não é uma coisa pão-pão, queijo-queijo.
    Se eu disse que não afastava a tua hipótese é porque de facto não a afastei, é porque de facto a considero válida na sua isência. Mas na sua totalidade, na sua construção final já a partilha não é a mesma.

     

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