Música Clássica: porquê?
A música está presente em nós todos os dias. Esta é uma verdade que o Homem soube criar e arpoveitar. Porém, tal acontece de formas diferentes, sob circunstâncias diferentes, por razões diferentes. Perante a diversidade do fenómeno, surgem duas questões que merecem alguma consideração:
Por que razão valorizamos, enquanto sociedade, a música clássica como a mais sublime das expressões artísticas? Certo que o façamos, por que está esta reservada a apenas alguns "eruditos", quando deveria, pelo seu valor, ser acessível a todos nós?
Responder à primeira pergunta requer remetê-la para o domínio da neuropsicologia, aquele ramo do conhecimento que se debruça sobre os acontecimentos que tomam lugar no nosso cérebro enquanto vivemos. Diz-nos a neuropsicologia que o prazer que o ser humano sente em ouvir música deriva dos fenómenos que se verificam, ao nível das relações sinápticas no nosso cérebro, enquanto escutamos uma peça musical.
A diferença entre a música clássica (e o jazz) e outros tipos de música, nomeadamente o "rock", "pop" ou "hip hop", que levam os "eruditos" a valorizar uma e a desvalorizar as outras, encontra-se na quantidade e no tipo de fenómenos que ocorrem em nós quando escutamos os diferentes estilos de música.
O nosso cérebro funciona à base do reconhecimento de padrões e de associações: repetições sucessivas de um qualquer acontecimento permitem-nos reconhecer o que é percepcionado, ao que associamos a percepção de outros acontecimentos, o que nos permite conceder um significado específico ao que nos rodeia. A repetição de um determinado acontecimento, quando associado a um determinado evento repetidamente, faz-nos atribuir ao primeiro um significado relacionado com o segundo. É desta forma que sabemos, pelo simples facto de ouvirmos um estilhaçar, que algo de v
A razão para isto assenta na construção musical de uns e de outros estilos. Enquanto que os estilos mais banais de música assentam sobretudo no tipo de associações a que me referi com o exemplo dos Queen, em que determinados fenómenos não auditivos (a emoção do combate, do prazer da vitória, etc) são associados a um conjunto de padrões rítmicos e tonais, a música clássica assenta em associações de carácter puramente auditivo. Isto é conseguido porque a construção de uma peça de música clássica é feita tendo em vista uma tensão muito específica que é criada no ouvinte através dos sons que lhe são transmitidos.
Todas as melodias que são criadas em qualquer música de que se recordem têm por base, sempre, uma nota (excluo os casos da música clássica contemporânea e do "free jazz"). A esta nota, os músicos dão o nome de "tónica", ou "nota de repouso". É sobre esta nota, a mesma ao longo da melodia, que os padrões tonais assentam, permitindo ao nosso cérebro reconhecer aquilo que ouve como uma melodia e não como um conjunto de sons desconexos e sem sentido. Desta forma, quando a melodia é tocada, através do uso de diferentes notas da pauta musical, o nosso cérebro necessita de se recordar a ele mesmo a tónica sobre a qual a melodia está a assentar, precisamente para que possa atribuir um sentido ao que ouve. Ao fazê-lo, gera-se uma tensão entre o que está a ser escutado e essa nota de que se tenta recordar o cérebro, à medida que o cérebro anseia ouvir de novo essa nota de repouso. Esta nota, como diria Leonard Bernstein, famoso maestro norte americano, funciona como um grande e muito poderoso íman, que atrái, constantemente, as outras todas, na nossa ânsia que nós temos de a ouvir.
Ora, o que acontece na música clássica, é que essa tensão é explorada até às últimas consequências. O que fizeram de tão grandioso músicos como Mozart ou Beethoven foi precisamente inventarem novas formas de aumentar essa tensão, explorando a música como nunca antes deles tinha sido feito. A grande diferença entre o que nos tem para oferecer a clássica ou o "jazz", por oposição ao "rock", "pop" e afins, é precisamente a exploração dessa tensão que estes últimos ignorantemente negligenciaram, em troca de formas muito mais fáceis de cativar o ouvinte leigo, ainda que com alguma mestria também.
Os fenómenos que ocorrem no nosso cérebro enquanto gerimos esta tensão musical é, segundo alguns neurospicólogos, muito semelhantes com os que se verificam quando sentimos tristeza, raiva, alegria, paixão e assim por diante. Desta forma, a diferença, e causa do valor acrescentado de que goza a música clássica em detrimento da música mais comum, reside no facto de esta oferecer ao ouvinte "atento" emoção pura! Uma forma de mimicar, que na linguagem do nosso cérebro significa nada mais que experienciar, sentimentos e emoções crús e cruas. Isto tudo através, simplesmente, de um conjunto de sons. A eles não precisam, ainda que possam, estar associadas imagens, memórias, ou letras. Tudo é produzido pelo arranjo das notas na peça musical.
Acontece que a capacidade humana de interagir inteligentemente com os padrões tonais e rítmicos é algo que necessita de treino, e muito. Não só isso, mas é fundamental, para que alguém optimize ao máximo a sua aptidão para tal, que o treino surja num período muito específico da nossa vida: a infância. As crianças são, naturalmente, mestres em jogar com os sons que ouvem. A explicação para tal encontra-se no estágio de desenvolvimento em que se encontram os seus cérebros. A chave para uma compreensão verdadeira da música clássica encontra-se no aproveitamento dessa mestria enquanto ela dura. É por esta razão que, por exemplo, só são aceites no conservatório (escola máxima do ensino da música) os alunos que, desde cedo, tenham aprendido a lidar com a música, ou que qualquer um que não o tenha feito não sinta qualquer êxtase ao ouvir música clássica.
Alie-se o trabalho árduo que requer percorrer o caminho para a compreensão da música, as oportunidades perdidas daqueles que, como eu, nunca se dedicaram à música enquanto crianças e, sobretudo e ainda mais importante, uma estrutura social que constantemente repudia e desvaloriza o ensino e aprendizagem da música, e percebemos a razão pela qual os "prazeres escondidos" na música clássica estão reservados apenas a alguns.
Junto deixo a sugestão: "Teoria da aprendizagem musical" - Edwin Gordon.
Será que a música clássica é só para os mais eruditos?
Claro que nem todos conseguem apreciar por dureza de ouvido, mas não acho que haja tipos de musicas ouvidas apenas por certas camadas sociais. Não é linear nem rectilíneo associar Reggae a consumidores de haxixe, Hip-Hop a indivíduos de raça negra, Punk Rock a freaks, Pop a pitas ou Clássica a doutores. Fazer tal destinção era errado...prova disso mesmo sou eu que aprecio todos estes tipos de musica. Talvez o Reggae não tanto, mas as outras gosto mesmo e oiço e compro e consumo.
Música clássica tem a particularidade de ter um som transcendente e de tal forma complexo (pela quantidade de instrumentos que a compôem) que o maravilhoso é a simplicidade que transmite, exactamente por essa "nota de repouso" que funciona como ponto de partida e de chegada para as restantes notas. Usando um Sol, numa escala de Sol sabemos que devemos construir a restantes notas com base em acordes ou simples de Dó, Mi, Sol e Lá...depois usa-se o sustenido e bemol para dar outra forma mas sabe-se que essas serão as notas concordantes. Da mesma forma usando um Ré(na mesma escala) aplicar-se-á o Ré, Fá, Lá e Si com as mesmas variações. Essa simplicidade é mais dura do que aparenta mas é pura, não é electricizada.
Mas percebo o que referes como haver uma tónica especial em torno de certos estilos de música que não são dirigidos a todos. Mal comparado será a comédia Inglesa. Ou se detesta ou se adora, não é dirigida a todos e também é palavra comum ser para os mais eruditos e ricos de humor. Será? Discuto!
É frase feita mas não deixa de ser verdade. A música não se explica, sente-se! Fazendo uma ligeira correcção admito que posso explicar porque é que não gosto de Xutos e Pontapés, Lenny Kravitz e O-Zone (sendo que esta última fala por si) mas será que consigo explicar porque é que gosto de Eminem, Robbie Williams e Metallica, sendo tipos de música tão díspares?
Agora que refiro Metallica ocorreu-me o S&M do mesmo grupo. Uma junção sublime e admirável desta banda com Orquesta Sinfónica de S. Francisco...o que os levou a juntar não sei, mas sei que a combinação é das melhores e das que mais me arrepios provocam. Faço-lhes uma vénia.
Aí lá está a questão da musica clássica ser para eruditos. À primeira vista será que um metaleiro todo vestido de preto, com corrente nas calças, pulseira com pregos, cabelo enorme, barba igualmente grande e que bebe alcool que se farta é a imagem de um erudito? Imaginas esta personagem num concerto clássico no CCB?
Bem sei que uma coisa não invalida a outra e que um metaleiro não é por excelência burro, mas não seria a primeira pessoa que eu indicaria como apreciador de música clássica...no entanto o sucesso e a majestosa critica a esse album falam por si mesmo. Tanto que, mais tarde, os Scorpions fizeram o mesmo com um Orquestra alemã.
Uma coisa sei com toda a certeza. A música é a única "coisa" no mundo que nos diz exactamente aquilo que queremos e precisamos de ouvir, estejamos tristes, alegres, apaixonados, magoados, sozinhos ou acompanhados...basta para isso escolher o CD certo, carregar no play e deixar que ela fala connosco...seja System Of A Down, Jay-Z, Christina Aguilera, Pearl Jam, Blasted Mechanism ou Bach...tem é que se saber pôr o CD certo.