Manifestação de Uma Opinião

Qualquer opinião hoje é expressada num blog...e em qualquer blog é expressada uma opinião. Hoje em dia o mundo move-se rodeado de blogs e estes são um prelongamento das noticias diárias, comentando-as, da mesma forma que as impulsionam, fundamentando-as. Manifestação de Uma Opinião justifica a sua existência exactamente pelo seu nome...façam uso dele e expressem a vossa...

2007-10-01

Devagar não se vai ao longe

Portugal é conhecido, sobretudo por quem cá vive há muito tempo, como o país onde a Justiça tem um ritmo muito particular, próprio do país, e como que em sintonia com as pessoas que o preenchem. Não bastando esta sua característica inerente, tem também uma outra tão bem enraizada como a precedente: Uma natural aversão à mudança. Dir-se-ia sermos um país de brandos costumes... brandos e intocáveis.

Recentemente brotou desta nossa inesgotável fonte de polémicas, que é a Opinião Pública portuguesa e adjacentes meios de comunicação, mais um daqueles infindáveis e prolixos debates cujo objectivo muito pouca gente tem a felicidade de vislumbrar. Desta feita, debruçou-se sobre o novo Código de Processo Penal.

O governo lançou um conjunto de medidas com o principal objectivo de acelerar o processamento da justiça, nomeadamente fazendo subir de três para cinco anos o limite mínimo das penas que permite a aplicação da prisão preventiva, e encurtando o tempo concedido à investigação de determinados crimes.

Imediatamente inúmeras vozes se levantaram, protestando, ora contra a libertação de presos preventivos, consequência da aplicação de carácter retroactivo da lei a 15 de Setembro, ora contra a escassez do tempo disponível para a investigação de certos crimes, sobretudo os de colarinho branco.

Independentemente da qualidade das alterações efectuadas, tratou-se de um esforço claro para melhorar o funcionamento da justiça e dos tribunais. Todos os entraves levantados com todo o discurso proferido contra as medidas, certamente com razão de ser em alguns casos, mas na maioria das vezes vazio, redundante e fruto unicamente do contraste entre as cores partidárias e do hábito de fazer oposição com o medo de perder a identidade, apenas veio contribuir para atrasar ainda mais a mudança, claro sinal da falta de hábito, e, por conseguinte, para piorar a situação.

De resto, tudo isto não importaria, e constituiria talvez até um prazer seguir de perto tão acalorada refrega que qualquer pretexto serve para esquentar, não fosse o simples facto de estarmos, com isto tudo, a piorar a vida das pessoas. Esquecermo-nos disto parece acontecer fácil e frequentemente.

O caso de Esmeralda Porto veio lembrar-nos vivamente das consequências que tem todo o atraso de que padecemos na área da Justiça.

Quando o seu caso começou, a criança era ainda um bebé de três meses. Já lá vão 4 anos e sete meses. Depois de ser dada para adopção pela sua mãe biológica, Aidida Porto, foi entregue a Luís Gomes e Adelina Lagarto. Passado uns meses, Baltazar Nunes, o pai de Esmeralda, assumiu a paternidade e recorreu a tribunal para conseguir a sua tutela. Tendo direito a ela, segundo a decisão do Tribunal de Torres Novas, esta não aconteceu na prática e o bebé permaneceu nas mãos do casal adoptivo. Isto porque, no seu pleno direito, o mesmo decidiu recorrer da decisão junto do Tribunal da Relação de Coimbra. Anos e meses de laboriosas investigações e infindáveis debates depois, no passado dia 26 de Setembro foi conhecida a aprovação dada pelo juiz de Coimbra à decisão já tomada anteriormente, ou seja, a favor do pai biológico. Não saciados de Justiça, o casal ameaça agora recorrer de novo, desta feita junto do Supremo Tribunal, ameaçando igualmente arrastar o caso por mais tempo ainda.

Escusado será apontar a injustiça cometida, no meio da história, à agora pequena criança Esmeralda. É que, com o passar do tempo, o bebé tornou-se criança, criou raízes, habituação, laços de parentesco e amor com quem tem vindo a crescer, Luís Gomes e Adelina Lagarto. Com que direito, para além de todo aquele em que estão embebidos os tribunais, se lhe pode pedir que conheça um novo pai, uma nova casa, crie novas relações e uma nova identidade?

E a pergunta repete-se de todos os pontos de vista da história. Com que direito privar o casal do amor e companhia de uma criança que, à parte o código genético, é sua? E de que justiça impedir um pai de conhecer a própria filha, uma pessoa que, desde que soube da sua paternidade, não mais descansou enquanto não a tem consigo?

Da mesma forma, os dedos podem ser apontados a cada personagem, como têm vindo a ser. Impera sobretudo o argumento de que nenhuma das partes age a pensar na criança, que vêem apenas o seu umbigo e a sua posição no caso. Querem vencer a todo o custo.

Mesmo a decisão dos juízes não pode ser apontada como a causa de todo o escândalo. Tendo decidido, de sua justiça e com base em juízos que temos que encarar à partida como justos e imparciais, a favor do pai biológico, tomaram uma posição que, dado o seu papel na sociedade, deve ser aceite.

Porém, dados os contornos do caso, esta decisão, por mais acertada que tenha sido, tem um prazo de validade. É que, se quando foi tomada, há 4 anos e 7 meses atrás, ela era correcta, com o passar do tempo e o crescimento da menina deixou de o ser. Isto porque a mudança de lar e de familiares aos 5 anos de idade provocará um défice de desenvolvimento social que todos poderão vir a lamentar mais tarde, fruto do rompimento com aquilo que tem, ao nível emocional sobretudo, constituído o seu mundo, algo que muito dificilmente aconteceria num bebé de 3 meses.

Conclui-se por isto que o verdadeiro inimigo desta menina e causador de todo o imbróglio, cujas consequências e desenlace ainda estão por apurar, é o mesmo que o governo procurou combater com a revisão do Código do Processo Penal e que toda a redundante onda de contestação que, apenas por uma questão de hábito, se levantou ao mínimo sinal de uma mudança, alimentou: A lentidão da Justiça em Portugal.

Dir-se-ia que nem sempre devagar se vai ao longe.

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D12 - Girls

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